DISCURSO PROFERIDO PELA ACADÊMICA MARIA CLÁUDIA DA SILVA ANTUNES DE SOUZA  – CADEIRA Nº 11- PATRONA THEREZA GRISÓLIA TANG – TJSC– 02/10/2023

Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Desembargador João Henrique Blasi, Excelentíssima Senhora Presidente da Comissão de Gestão de Memória do Judiciário, Desembargadora Haidée Denise Grin, cumprimentando-os estendendo meus cumprimentos as demais autoridades nominadas pelo cerimonial, prezados convidados, senhoras e senhores, bom dia!

É conhecida a máxima de que há pessoas que optam por fazer de suas vidas uma missão de mudar a história.  Não vêm ao mundo sem um propósito importante: estão sempre a serviço de algum ideal, algum projeto virtuoso.

Thereza Grisólia Tang é uma dessas pessoas.

Honrada de ter sido escolhida para fazer parte da ilustre Academia Catarinense de Letras Jurídicas, em 19 de junho de 2015 e, especialmente, por ocupar a cadeira n. 11, que tem por patrona Desembargadora Thereza Grisolia Tang. A ACALEJ  tem por finalidade principal preservar e resgatar história, obras e documentos jurídicos. Para cada uma das quarenta cadeiras, os fundadores escolheram os respectivos patronos, homenageando personalidades que  contribuíram no aprimoramento das letras jurídicas catarinenses e nacionais, que zelaram pela qualidade e excelência na produção do Direito. Destas 40 cadeiras, apenas a n. 11 leva o nome de uma mulher, Thereza Grisólia Tang.

Para a cerimônia de posse, preparei o panegírico, que levou-me à contingência de ter de estudar a vida pessoal e intelectual de Thereza Tang, o que me emocionou em várias passagens. Aprendi a admirá-la e respeitá-la por sua conduta ímpar, além de ter sido uma mente brilhante no mundo jurídico.  Era uma mulher delicada,  mas firme e corajosa, que desafiou os costumes e crenças de seu tempo em favor de novos ideais de igualdade e solidariedade.

Nascida em 10 de fevereiro de 1922, na cidade de São Luiz Gonzaga, Estado do Rio Grande do Sul.  Vinda de uma família tradicional de jornalistas,  sempre se destacou nos estudos,  chegando a receber um prêmio por ter sido a melhor aluna do Estado do Rio Grande do Sul, o que levou o município de São Luiz Gonzaga,  por meio de seu prefeito,  a organizar uma festa para recebê-la com direito a banda de música,  partida de futebol  e baile na cidade. Evento noticiado por semanas na imprensa. Tudo para homenagear a melhor aluna do Estado.

Durante os festejos conheceu o que viria ser o seu esposo,  Walther Tang, de nacionalidade alemã, cuja chegada se fazia recente à cidade, exercendo a profissão de cirurgião-dentista. Esta festa tornou-se o evento do ano, chamando a atenção do cirurgião-dentista, que ficou curioso para conhecer a melhor aluna do Estado. Ao vê-la, logo pensou, “esta será a minha esposa”! Para surpresa de todos, o casamento ocorreu no mês seguinte, no ano de 1943. Thereza havia completado 20 anos  e Walther estava com 34 anos de idade. Contudo, a mãe de Thereza conversou com o noivo,  pedindo que este apoiasse sua futura esposa na continuidade aos estudos, considerando o seu talento e dedicação. Walther aceitou o compromisso. No ano seguinte, nascia a única filha do casal  a qual deram o nome de Tânia. 

Passaram-se três anos, Thereza e Walther iniciaram o curso de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vindo o casal a colarem grau na mesma solenidade. Thereza foi laureada,  recebendo a honraria de reconhecimento ao mérito acadêmico.  Nesta época sua filha já estava para completar 7 (sete) anos.  Desde o início do curso, Thereza manifestava vontade de ingressar na magistratura,  no entanto, neste período, a resistência à mulher na área jurídica era notória.  Um de seus professores da faculdade  um dia lhe disse: “os pioneiros sofrem”. Thereza jamais esqueceu aquela frase. 

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vedava expressamente a participação de mulheres em concurso público da magistratura, o que influenciou na decisão da família Tang de residir em Santa Catarina, Estado que, apesar de ainda não haver registro de mulheres na magistratura, não impunha cláusula expressa no edital que lhes vedasse a inscrição no concurso.

Assim, Thereza Tang participou de concurso público no Tribunal de Justiça de Santa Catarina1,  tendo sido aprovada, e ingressou na magistratura catarinense em 21 de dezembro de 1954.  Tornou-se a primeira juíza do Estado de Santa Catarina,  recebendo a melhor avaliação na seleção realizada.  Na cerimônia de posse,  o Desembargador Guilherme Abreu disse-lhe:  “A senhora é o teste”,  transferindo-lhe uma imensa carga de responsabilidade,  pois o “teste” objetivava verificar se mulheres desempenhariam bem o cargo de juíza2

Thereza Tang manteve-se como a única juíza do sistema judiciário catarinense até 19753,  ou seja, por 20 anos.

Dedicou-se muito e,  aos poucos, foi colhendo o justo reconhecimento por suas aptidões para o exercício da jurisdição junto ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina que,  por sua vez,  beneficiou-se de sua fama ao consagrar-se como Estado pioneiro em ações louváveis ao tê-la nomeado como magistrada. 

Thereza Grisólia Tang foi nomeada desembargadora em 15 de outubro de 1975.  Oitenta e três anos após a instalação do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, tornando-se a primeira mulher, no Brasil, a assumir este cargo.  Curiosamente,  Thereza Tang  manteve o título de única desembargadora de Santa Catarina até 2002, uma vez que, somente em 2003, Salete Silva passou a ocupar o mesmo cargo. Posteriormente, em 2005, Maria do Rocio Luz assumiu como a terceira desembargadora do Estado. 

Em 1985,  Thereza Tang foi Corregedora Geral de Justiça;  alçou-se à Presidência do Tribunal Regional Eleitoral em 1986 e, enfim,  Presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina em 1989. 

Tornou-se um exemplo de magistrada,  tendo sido responsável por projetos relevantes no judiciário catarinense, e,  os que a conheceram sempre destacam,  que além da competência,  a sua cordialidade e paciência para ouvir quem quer que lhe procurasse eram peculiar4.  

Permaneceu na profissão até se aposentar,  como desembargadora,  aos 70 anos e faleceu em 17 de outubro de 2009,  em Florianópolis – SC,  aos 87 anos de idade.  Há muitos anos,  sua única filha reside em Genebra, na Suíça. Thereza deixou três netos, seis bisnetos e uma trineta. 

Em outubro de 2019, estive na Suíça acompanhada do meu marido Cleber,  visitamos a Tânia,  filha da desembargadora Thereza Tang.  Foram dias maravilhosos! Tânia me contou vários momentos vividos com sua mãe,  revimos álbuns de fotografias  e tive a honra de vestir a toga usada pela desembargadora Thereza neste egrégio Tribunal.  A emoção tomou conta e a sensação que tive que a Thereza estava conosco naquele momento.

Thereza Grisólia Tang sempre esteve à frente de seu tempo,  superou vários obstáculos para se tornar a primeira mulher em colocações até então exclusivamente masculinas.  

Por sua cultura jurídica, mas, sobretudo, por sua afabilidade,  simpatia,  alteridade,  capacidade de se entregar à causa do conhecimento,  senso de justiça,  causas que compõem o mosaico da grande causa da humanidade. 

Thereza Grisólia Tang nos inspira e continuará inspirando.

Muito obrigada a todos!

  1. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina foi instalado após a Proclamação da República, quando foi promulgada a primeira Constituição Estadual em 01 de outubro de 1891 (Tribunal de Justiça de Santa Catarina: memórias dos 110 anos. Ed. Comemorativa 1891-2001). Somente em 1954 é que foi aprovada a primeira mulher no concurso público para juíza no estado de Santa Catarina, Thereza Grisólia Tang. ↩︎
  2.  Extraído de entrevista com Tânia Grisólia Tang, filha de Thereza Tang, na cidade de Genebra, Suíça, em 19.10.2019, realizada pela co-autora Maria Claudia da Silva Antunes de Souza. ↩︎
  3. Dados coletados no Museu do Poder Judiciário de Santa Catarina, seção cadastral funcional. Acesso em: 16. jan. 2023. ↩︎
  4. Dados extraídos do Jornal mensal da Associação dos Magistrados Catarinenses – O Judiciário. Ano IV, nº 38 – jun. 2009. Disponível em: www.amc.org.br. ↩︎