Discurso de Posse de Aristides Cimadon

14/03/2014

Exmo. Presidente da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, Prof. Dr. Cesar Luiz Pasold.

Cumprimentos aos demais membros da Diretoria da Academia, Acadêmicos e Autoridades….

         Este é um momento muito especial e indescritível na minha vida. Nunca imaginei que, nascendo no interior de Campos Novos, no Distrito de Guarani, em berço de família humilde de agricultores, de colonização italiana, iniciando a escolarização a partir dos nove anos de idade e saindo de casa aos 11 anos para buscar a realização de sonhos, nem sempre lúcidos, ingressando no seminário dos Padres Capuchinhos em Capinzal, pudesse chegar a esse momento de tomar posse na Academia Catarinense de Letras Jurídicas.  E uma emoção indescritível.

         Aprendi, bem cedo, dos meus pais e avós, que nenhuma conquista acontece gratuitamente e nem tampouco sozinho. Há sempre, ao lado, uma ou mais mãos estendidas. Essa alegria somente é possível graças a bondade e sensibilidade do Prof. Dr. Cesar Luiz Pasold, meu padrinho, amigo, orientador de meu doutoramento, pessoa que aprendi admirar trabalhando no Conselho Estadual de Educação, onde juntos elaboramos pareceres e normas diretrizes para melhores condições e qualidade da Educação Superior no Sistema Estadual de Ensino.  Aprendi admirá-lo pela figura humana, pela austeridade do rigor ético-científico com que conduz os compromissos e, ao mesmo tempo, pela visão e leitura do mundo. Aprendi admirá-lo e respeitá-lo pela visão estratégica das organizações, especialmente quando orientou a revisão da estrutura da Universidade do Oeste de Santa Catarina.

 Sua indicação aprovada pelos estimados acadêmicos que me deram essa tamanha honra, faz-me mais realizado, porém, não menos humilde. Tenho certeza que há tantos juristas catarinenses ilustres com destaque científico e profissional que merecem essa distinção bem mais do que eu. Por isso, meu agradecimento especial e o compromisso de envolvimento, dedicação, participação e zelo para honrar com os objetivos da Academia. Quero agradecer aos amigos e tantos colegas de trabalho pelo incentivo e paciência com minhas ideias e intransigências. Especialmente agradecer a todos meus familiares que fazem parte de minha vida e por terem me suportando nas minhas agruras por tanto tempo, com privação de um convívio mais efetivo durante esses anos todos. Mas estão aí todos bem e, graças a isso tudo, sempre tiveram as melhores condições de, também por isso, organizar e conquistar seus sonhos. 

         Ocupar a cadeira 35, cujo patrono é o Dr. Dante Martorano, é privilégio, orgulho e compromisso. Muito sinteticamente, preciso relator um pouco da vida de meu Patrono. Líder nato, exemplo de compromisso social, de trabalho e de sobriedade, espírito empreendedor, Dante Martorano nasceu em São Joaquim – Santa Catarina, em 10 de setembro de 1925. Filho de Egidio Martorano e Eulália Brasil Martorano iniciou seus estudos em São Joaquim, seguindo para Florianópolis onde concluiu o curso clássico. No Rio de Janeiro cursou Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Estabeleceu-se, inicialmente, em São Joaquim onde iniciou sua atividade profissional. Logo a seguir casou-se com Maura e o primeiro de seus filhos, Edda, veio a nascer nesta mesma cidade. Em seguida estabeleceu-se em Videira e aí nasceram seus filhos Ivo, Egídio e Enzo.

Em Videira exerceu a Advocacia durante 27 anos, período compreendido entre 1953 a 1979. Atuou como procurador de diversos Municípios da região e como consultor jurídico da empresa Perdigão, entre outras, além da sua própria Banca de Advocacia. Atuou como professor licenciado no Colégio Imaculada Conceição, na Escola de Comércio e no Grupo Adelina Régis. Foi Vereador e Presidente da Câmara Municipal durante a gestão Waldemar Kleinübing. Idealizador da primeira Associação de Municípios de Santa Catarina, a AMOSC (Associação dos Municípios do Oeste de Santa Catarina). Idealizador e executor da Festa da Uva, em Videira, durante a gestão do prefeito César Augusto. Incentivador e coordenador de outras atividades inúmeras atividades comunitárias naquela cidade.

Fundador da Faculdade de Ciências Contábeis, Econômicas e de Administração do Alto Vale do Rio do Peixe, isto é, o primeiro curso de Educação Superior a ser implantado em Videira na Fundação Educacional do Alto Vale do Rio do Peixe – FEMARP, que hoje é um campus importante da Universidade do Oeste de Santa Catarina, onde também atuou como professor. Foi um dos fundadores da ACAFE (Associação Catarinense de Fundações Educacionais), em 1974.

 Idealizador e fundador da Escola Agrícola de Videira, importante educandário que formou inúmeros técnicos voltados para o desenvolvimento do agronegócio do Meio Oeste e Oeste de Santa Catarina. Em 1979, radicou-se em Florianópolis exercendo a função de assessor do Vice-Governador do Estado, Henrique Córdova. Em Florianópolis foi professor da Universidade Federal de Santa Catarina onde fez o curso de Mestrado em Direito. Doutorou-se em Direito em São Paulo, na Universidade Mackenzie, e escreveu vários trabalhos, obras, poemas e crônicas publicadas.

Escrevia como historiador político e foi Conselheiro do Instituto histórico e geográfico de Santa Catarina. Dirigiu a Revista do Instituto dos Advogados de Santa Catarina – IASC. Faleceu no dia 17 de agosto de 1985 aos 59 anos.  Autor de seis livros, dentre eles: José Boiteux; Temas Catarinenses; Direito Municipal; Os meus Caminhos; Teoria Brasileira do Município e Estruturas do Governo Municipal.

Enfim, considerado pelo respeitável historiador Prof. Dr. Walter Piazza, como o “melhor” biógrafo de José Arthur Boiteux, Dante Martorano teve uma vida cultural muito rica e intensa. Advogado, pesquisador do Direito, ensaísta, cronista e historiador, aplicava-se integralmente em suas atividades de pesquisa e de exercício jurídico. Na sua face de historiador, sem descuidar da visão multidisciplinar, que incluía o jurídico, além da biografia de Boiteux, pesquisou e muito escreveu, com detalhes e momentos de ineditismo, sobre a Guerra do Contestado, seus personagens, as injustiças nela cometidas e a violência de seus primeiros tempos. Juntamente com os Professores Acácio Garibaldi S. Thiago e Nilson Borges Filho dedicou-se ao estudo, criticamente responsável, sobre a “Disciplina Estudo de Problemas Brasileiros na UFSC”, publicado em 1981. Mas, sem dúvida, a sua grande projeção na vida jurídica deu-se mercê de seu profundo conhecimento sobre o Municipalismo.

Sob a inspiração do Patrono Dante Martorano, a minha preocupação na trajetória da Academia será, sem dúvida, aquela com a visão voltada aos Direitos Fundamentais Sociais. E dentro deles, um recorte essencial dedicado ao Direito Educacional, ou seja, a produção legislativa sobre Educação, fruto dos meus estudos nesses anos de dedicação à Universidade e ao Direito Educacional. Não poderei deixar de compreender o Direito como sentido do cuidado. Entendo que a abordagem de Nietzche que, de certa maneira, vislumbra o Direito como a cerca prendendo a manada que vive em calmaria somente quando o pasto é verde. O Direito não pode ser entendido somente como um conjunto de normas que disciplina comportamentos, mas como cuidado da vida na sociedade e, consequentemente, das pessoas. É, ainda, muito rude o Direito que disciplina a vida das pessoas em suas necessidades fundamentais, sejam ligadas à saúde, a educação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, a segurança e outros aspectos essenciais à felicidade humana. O Direito que pretende o cuidado não é aquele que apenas protege direitos, mas obriga a deveres, sem os quais os direitos deixam de ser.

Não parece prudente, portanto, a construção de um Sistema Jurídico que privilegia direitos e não se preocupa com os deveres. Vivemos um momento de profundas transformações no mundo, como nunca vividas antes. Hoje, em 10 anos, as concepções do mundo da vida mudam mais rapidamente do que em duzentos anos já vividos. Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, considerado um pensador que reflete sobre o declínio da civilização, mostra que vivemos uma modernidade líquida, da pressa, da superficialidade, da falta de compromisso e de comprometimento. Essa ideia de liquidez, influenciada pelo impacto da tecnologia que nos faz conectados 24 horas por dia, transformou a vida, a política, os padrões culturais e fulminou a concepção daquilo que é considerado permanente, perene e duradouro.

Ele diz que vivemos o fim do futuro, isto é, a visão do futuro comandava os nossos sonhos, quiçá os sonhos da maioria de nós que estamos aqui, hoje. O nosso presente girava em torno do futuro, da construção de uma sociedade melhor, da preocupação com a garantia de uma aposentadoria tranquila sustentada com bens materiais. Os jovens do século XXI vivem sem esse futuro, esperando que o Estado seja o protetor e o patrocinador de todas as garantias de direitos, inclusive de suas vidas. Estamos mais descuidados e negligentes com o que virá e espera-se a solução dos problemas pelo Estado e este pela Política. Então, as instituições e nós todos amarramos o poder de resolver os problemas na política, mas os políticos sofrem o déficit perpétuo do poder.  Como prometem e pouco conseguem, porque as coisas não exigidas com muita rapidez, sofrem a crise da confiança. Percebe-se que nesse mundo interligado, as interações sociais, os valores e as próprias regras ganharam a aparência de brinquedo de crianças, tudo rápido e conectado ao mundo eletrônico do faz de conta. É preciso, pois, trocar o mundo virtual pelo real que requer cuidado com a vida.  O Direito é o instrumento essencial do cuidado da justiça que é a maior das virtudes sociais.

Parece-me que a aqui na ACADEMIA é um lugar propício para cuidar das letras jurídicas e da produção jurídica, bem como das ideias e ideais do Direito e da Ciência Jurídica em busca do Direito como cuidado com a vida das pessoas. Por isso, a honra de poder fazer parte da Academia, desse seleto grupo de Juristas e assim, nesse convívio, posso estar mais comprometido, não apenas com os objetivos da Academia, mas com o próprio cuidado com a vida.

O cuidado é um estado no qual algo tem importância e, quando desaparece, surge a apatia que perturba a ternura humana e esmaga a felicidade. O cuidado nasce, exatamente, dessa questão finita da natureza humana e da mudança acelerada da vida. Se não cuidarmos de nós mesmos seremos magoados e feridos.  Então, o Direito visto como forma de cuidado é uma visão cuja preocupação é a organização do Estado e da construção de um sistema jurídico transitório de permanente aperfeiçoamento. É o transitório que inspira cuidado. É o fato de sermos finitos e não imortais que inspira a possibilidade do cuidado.

Por que essa pequena incursão nesse dia especial? Por que o cuidado é essencial ao ser humano.  Há uma conformação com tudo, medo de envolvimento, a juventude conformada e embebecida pela anestesia da tecnologia, da comunicação de massa, cujos sonhos não passam dos lampejos imediatistas. A ameaça é a apatia e a indiferença, vive-se o conformismo com falta de visão de um mundo melhor.  A luta que se vê é pela existência do ser humano em um mundo onde tudo parece cada vez mais mecanizado, dirigido por computadores e pela comunicação de massa.

Então o cuidado é intencionalidade e o Direito se mistura ao cuidado procurando ser instrumento que consolidada a justiça e busca, obstinadamente a dignidade humana, embora violada em muitos sentidos. Tem razão Heidegger, ao observar que a organização social e do Estado deveria privilegiar uma ordem jurídica compreendendo que o homem é ontologicamente constituído de cuidado.  Hoje, essa mudança sem precedentes, aponta para uma nova moralidade, não de aparências e formas, porém de novas autenticidades de relacionamentos nem sempre voltadas para dinheiro e sucesso, mas para uma outra gama de valores que aos poucos vão forçando a exigência de uma nova organização social e, portanto, novas estruturas normativas e jurídicas.

O Direito, na visão do cuidado, implica em conceber um Estado a ser revisto e construído pela Sociedade sob uma nova logística cuja estrutura de poder, os direitos e deveres são balanceados numa perspectiva de responsabilidades mutuas entre cidadão e organização político – jurídica.  Importa sonhar com um sistema jurídico novo e renovado onde as normas sejam postas e idealizadas pelo cometimento da justiça e do desenvolvimento humano. O Direito, nessa visão e na afirmação de Jellinek, não deveria ser nada mais que o mínimo ético.

Talvez, tudo isso pareça ingênuo, utópico ou demasiado filosófico. Porém, não há transformação de realidades sem utopia dizia Paulo Freire, nosso patrono da Educação brasileira. Essa educação desesperançada e tão distante da qualidade desejada que merece de todos nós um olhar crítico e carinhoso e de cuidado.

Rui Barbosa disse que “A Esperança é o mais tenaz dos sentimentos humanos”. Esse parece ser o caminho para as conquistas de um mundo melhor: um Direito que busque o cuidado com a vida. Por isso, obrigado por terem me oportunizado participar da Academia Catarinense de Letras Jurídicas. Comprometo-me, enquanto tiver força, lutar por um Direito que possibilite melhores condições de justiça e dignidade humana.

Obrigado.

AUDITÓRIO JURÍDICO DO CURSO DE DIREITO, CAMPUS I DA UNOESC, JOAÇABA.

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