Discurso de Posse de Gilson Jacobsen

Cumprimentos (à Mesa de honra e aos demais presentes)!

É motivo de grande orgulho para todos nós que aqui trabalhamos na Justiça Federal, Senhor Presidente, receber a ACALEJ neste belo espaço público de um prédio que, saudosa e dolorosamente, leva agora o nome do grande Desembargador Federal Otávio Roberto Pamplona, cidadão e magistrado singularíssimo, de rara inteligência, e que, quando foi Juiz Federal Diretor do Foro da Seção de SC, tanto se empenhou, com todas as suas energias, para o que esse terreno recebesse a sede da Justiça Federal em Santa Catarina.

Conheci a ACALEJ pelas mãos do meu colega e então Orientador no Doutorado, Zenildo Bodnar, nosso menino prodígio: ex-lavrador em terras do vizinho Estado do Paraná, ex-bombeiro no mesmo Estado, ex-servidor da Justiça Federal do Paraná, ex-juiz federal aqui em Santa Catarina, e que agora não para de ser aprovado em tantos quantos concursos faça para Cartórios de Registro, sempre com uma concomitante e destacada carreira acadêmica de Professor e Pesquisador Universitário.

Na época, e lá se vão cinco anos, trabalhávamos juntos aqui na 3ª Turma de Recursos dos Juizados Especiais Federais, neste mesmo 4º piso. Mais precisamente, no dia 05 de abril de 2013 caminhei com ele até o Auditório da OAB/SC, aqui ao lado, onde supus que assistiria à sua (dele) posse na Academia Catarinense de Letras Jurídicas. O que eu não divisava, até então, é que a ACALEJ estava sendo solenemente instalada naquele dia, e que não era apenas meu Colega e Orientador que tomaria posse naquela noite memorável, mas diversos e admiráveis e queridos professores e amigos que tive e que fiz desde que cheguei em Florianópolis, em um dia quente de fevereiro de 1992. Era uma primeira e grandiosa instalação, com a posse dos primeiros ocupantes das primeiras Cadeiras. Foi um choque cultural, quase espiritual, algo como descobrir uma grande sala, como que num mundo em paralelo, com diversas pessoas que você conhece e admira, com suas capas de cor viva, congregadas para compor uma academia, uma egrégora em busca do aprimoramento das letras jurídicas em quaisquer dos seus ramos. Lá estavam – e sempre estarão: o Cau, de tantos e inesquecíveis Natais e confraternizações; meus Professores no Mestrado ou no Doutorado, ou em ambos, Dr. Cesar Pasold, Presidente; Dr. Pilati; Dr. Marcos Leite Garcia. Até o velho companheiro de tantas lutas no Ministério Público de Santa Catarina – e sempre meu Professor – Paulo de Tarso Brandão tomava posse representado por outro querido colega de Ministério Público, Davi do Espírito Santo. Outros ilustríssimos Professores e personagens do mundo jurídico que eu já citara em meus artigos ou aprendera a admirar, lá estavam também: Dr. Aluísio Blasi, Dr. Wolkmer, Dr. José Rubens, Dra. Elizete, Dr. Ricardo José da Rosa [peço desculpas se estou esquecendo alguém].

Mas agora que chego à porta da sala, para também dela fazer parte, hesito em adentrar, porque parece que a gente nunca está pronto ou suficientemente lapidado para aceitar, convictamente, um convite dessa natureza. E se o faço é muito mais para que meus filhos e esposa saibam que não foram em vão as horas que lhes furtei do convívio nos últimos anos, enquanto estudava e escrevia, do que propriamente por acreditar que eu o mereça.

Tempo que não volta e que também subtraí do convívio com irmãos, mãe, sogro e sogra, cunhados, sobrinhos e amigos. Amigos de ontem, de hoje e de sempre, e que aqui vêm talvez muito mais para perdoar do que para aplaudir ou brindar.

Grande saudade, já que falo de parentes e amigos, também sinto nessa hora do Coronel Osmar Jacobsen, meu falecido pai (nosso pai, já que tenho irmãos na plateia): homem forjado para a guerra, pela Academia Militar de Agulhas Negras, na Arma mais difícil e respeitada do Exército (“Os melhores são apenas bons para a Infantaria”, diz o duro lema da Infantaria), mas que sempre foi da paz. Formado também em filosofia/matemática, lecionava à noite para melhor conseguir criar e educar os quatro filhos: meus ouvidos de criança ainda estão lá grudados em seu peito ou muito próximos dele, antes de dormir, ouvindo o reverberar de seu vozeirão, ao ler, p.ex., “Meus Oito Anos”, de Casimiro de Abreu, ou “I-Juca Pirama”, do poeta maranhense Gonçalves Dias, em uma antiga publicação editada pela Biblioteca do Exército.

Mas o momento pede mesmo é que se fale do grande homenageado desta noite, o Patrono da Cadeira 18, outro grande maranhense: José Roberto Vianna Guilhon.

J. R. Vianna Guilhon Nasceu em São Luiz do Maranhão, em 05 de março de 1842, filho do Coronel José Roberto Guilhon e da Sra. Maria Theresa Vianna. Estudou ali mesmo em sua terra natal, até que em 1864 conseguiu inscrição na Faculdade de Direito do Recife, onde obteve o grau de bacharel em ciências jurídicas e sociais, em 06 de novembro de 1868. De volta à sua província natal, Maranhão, logo (no mês seguinte) recebeu a nomeação de Promotor Público da Comarca de Rosário [província porque estamos aqui ainda no Brasil – Império].

Ali permaneceu até ser nomeado, em 1871, por decreto imperial, Juiz Municipal e de Órfãos do termo de Turiaçu (Tury-Assú), também no Maranhão. Sobre o Promotor que deixava a Comarca de Rosário, o Dr. Mathias Morato, Juiz de Direito, fez questão de escrever: “sempre se caracterisou pela sua intelligencia, honestidade e zelo pelo publico serviço, sendo exemplar o seu comportamento”.  Transcrevo esse elogio porque é o primeiro de muitos que viria a receber em sua vida profissional e mesmo depois de sua morte.

Em 1874 casou-se com a d. Henriqueta Filomena Bricio, também filha de um Coronel, e com ela viria a ter 7 filhos: José Roberto Bricio Guilhon, Maria da Gloria, Manoel, Antônio, Henriqueta, Luiza e Jayme.

No final de 1878 foi nomeado Juiz de Direito da Comarca de Turiaçu, de primeira entrância [estamos ainda na província do Maranhão], tendo prestado juramento em 03 de abril do ano seguinte [entramos na última década do Império].

Até que, por outro decreto imperial, o de 20 de setembro de 1884, nosso Patrono e homenageado foi removido para a Comarca de São José, de segunda entrância, nesta antiga província catarinense.

Fico a imaginar a beleza, mas também as dificuldades, da viagem: muito provavelmente de navio, cinco filhos já nascidos, entre a ilha da capital maranhense, S. Luiz, e a ilha de Santa Catarina, Desterro; para, então, daqui ainda navegar mais um pouco até São José, já que não havia ponte alguma ligando a nossa ilha ao continente naquele tempo [digo isso para que minhas gêmeas de 9 anos, aqui presentes, lembrem-se que nem sempre houve pontes ligando a ilha ao continente].

No ano seguinte, 1885, ocupou interinamente o cargo de Chefe de Polícia. Ao reassumir o cargo de Juiz de Direito, meses depois, o Presidente da província também o elogiou pelo “inexcedível zelo e lealdade com que desempenhou aquelle cargo”.

Em 18 de abril de 1891, por decreto do Marechal Deodoro da Fonseca, presidente da República [estamos agora na República], foi removido aqui para a Comarca de Desterro, de 3ª entrância.

Naquele mesmo ano, 1891 – Constituições Federal e Estadual em vigor -, foi nomeado Desembargador do Superior Tribunal de Justiça, primeiro nome que recebeu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, instalado em 1º de outubro. Em comum entre os cinco primeiros Desembargadores que o compuseram o fato de que todos eram originários da região Nordeste do país; afinal, ainda não existiam faculdades de Direito no Sul.

O Desembargador José Roberto Vianna Guilhon logo na sessão de instalação foi eleito pelos pares, por unanimidade, Presidente do Tribunal: seu primeiro Presidente.

Ocorre que, em 1893, com inquietações e revoltas políticas pelo país, principalmente com embates entre federalistas e republicanos, após o Tribunal despronunciar presos políticos militantes do Partido Republicano, o Governador do Estado em exercício, de tendência federalista, baixou uma resolução dissolvendo o mais alto Tribunal do Estado.

A resposta do Des. José Roberto Guilhon foi que ele e seus colegas não reconheciam tal ato e que resolviam suspender as sessões.

Só em 22 de abril de 1894 foi declarada nula a nomeação de outros cinco Desembargadores para ocupar as vagas no Tribunal, podendo o Des. José Roberto Vianna Guilhon voltar a presidi-lo, mantida a organização primitiva.

O Desembargador José Roberto Guilhon também teve participação ativa na criação e instalação do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, idealizado por José Boiteux e que foi fundado oficialmente em 7 de setembro de 1896, contando com o apoio oficial do então Governador Hercílio Luz.

Existe ainda uma correspondência – documento histórico – datada de 29 de setembro de 1896, assinada por José Roberto V. Guilhon e enviada para o Governador Hercílio Luz, tratando de uma questão internacional entre o governo brasileiro e o Reino da Itália, pela qual se vê que o Desembargador atuou como representante designado pelo Ministério das Relações Exteriores.

O Patrono da Cadeira 18 foi aposentado, a pedido, pela Resolução de 24 de abril de 1900, assinada pelo novo Governador, Felipe Schmidt. No dia 03 de junho de 1903, faleceu aos 61 anos, na casa número 30 da Rua Esteves Júnior, onde residia.

Os registros históricos, aí incluídos os jornais da época, relatam a grande comoção que se abateu sobre a comunidade no dia de seu falecimento e nos dias que se sucederam, porque não foi tão-somente um magistrado e um cidadão respeitado, mas alguém que passou a gozar de muita estima por parte de todos.

A edição do jornal O Dia, de 05 de junho, nas páginas 1 e 2, noticiou o falecimento do Desembargador José Roberto Vianna Guilhon, “prototypo da honestidade, do critério e da competencia”, e logo em seguida continua:

Os que o conheceram, quer como homem particular, quer como juiz – superior ás paixões do meio – tiveram bastante oportunidade de apreciar n’aquela figura sympathica, n’aquele carater affavel e meigo, a rigida enfibratura do homem do Direito, calmo, sereno e justo, sem farvalhosas ostentações de mando, nem exageros de curvatura.

Foi por isso que a noticia de sua morte, veio vibrar dolorosamente em todos os corações, produzindo esse expontaneo movimento de pezar, que se traduziu no considerável numero de pessoas que foram em romaria apresentar condolencias á desolada familia.

 Mas é a edição do dia seguinte, 06 de junho, de O Dia, que nos dá detalhes de que o nosso homenageado foi velado na sala de casa, vestindo a toga, e que depois “foi conduzido a mão até certa distancia” pelos demais Desembargadores e pelo procurador geral do Estado, todos também vestidos de togas e beca, o que se repetiu na missa de sétimo dia, agora segundo a edição de 10 de junho do mesmo jornal, que continuava repercutindo a dolorosa notícia.

De certa forma e de modo muito especial, porém, José Roberto Vianna Guilhon ainda vive através de uma linhagem de grandes magistrados. Desde Sálvio de Sá Gonzaga, seu genro, seus descendentes diretos e colaterais também chegaram ao Tribunal de Justiça: seu neto Ivo Guilhon Pereira de Mello, que também chegou a presidir o Tribunal de 1962 a 1964; seu bisneto Min. Hélio de Mello Mosimann, que ainda subiria ao STJ, em Brasília; seus trinetos Ronaldo Moritz Martins da Silva e Paulo Henrique Moritz Martins da Silva. Merece também especial registro que seu também bisneto Paulo Gonzaga Martins da Silva, pai dos dois últimos magistrados referidos, foi Secretário-Geral do Tribunal por quase três décadas!

Enfim, Sr. Presidente, ouso tomar posse de uma Cadeira que é propriedade de alguém muito importante para o contexto jurídico catarinense. Prometo cuidar muito bem dela e fazer por merecer essa distinção nesse momento particularmente difícil para o Direito brasileiro e para a Política nacional.

Congratulo efusivamente meu colega e amigo João Batista Lazzari por ser, merecidamente, o jurista homenageado nesta solenidade. Com o João Lazzari, com quem trabalho todos os dias na 3ª Turma Recursal de SC, e graças à sua organizada determinação, encorajei-me a cursar e concluir o Doutorado em Ciência Jurídica na Univali e, agora, a cursar e estamos quase a concluir o pós-doutorado junto à Universidade de Bologna, na Itália. Nosso Presidente na 3ª TRSC é o juiz federal Antônio Schenkel do Amaral e Silva, a quem também agradeço pelo companheirismo de todos os dias.

Resta-me agradecer pelas gentis palavras ao Dr. Paulo de Tarso Brandão e pela paciência e presença de todos: à minha incrível mãe, que hoje veio de Meia-Praia, eterna casa da minha infância, e que passou a vida falando-me e ensinando-me as coisas de Deus, mas que nunca me contou que foi campeã estadual dos 100metros rasos pelo Clube Olímpico, de Blumenau, na juventude [soube por minha irmã Caroline, há pouco tempo]; à Tatiana e aos nossos amados filhos João Eduardo, Laís e Sofia, pelo amor e dedicação; ao Presidente Dr. Cesar Pasold, pelo empenho e carinho com que trata as coisas desta Academia, inclusive e principalmente para neófitos como eu; aos demais Acadêmicos que me recebem e abraçam; aos magistrados estaduais e federais presentes, muitos dos quais amigos de longa data, que me dão esperança de termos um Brasil melhor; aos meus irmãos, por nunca terem deixado uma pergunta minha, caçula, sem resposta; aos meus sogro e sogra, João Nilo e Marilda, por terem me incentivado a fazer o concurso público simplificado para Professor Substituto da UFSC, meu primeiro trabalho remunerado, lá em meados de 1992, e a continuar sempre estudando e pesquisando em todos os níveis da pós-graduação; aos parentes e amigos, pelo exemplo que me dão todos os dias, ainda que a distância.

Muito obrigado!

AUDITÓRIO DA JUSTIÇA FEDERAL, RUA PASCHOAL APÓSTOLO PÍTSICA, 4810, AGRONÔMICA, FLORIANÓPOLIS
21/03/2018, às 19:30

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